Como Marcelo D2 saiu “À Procura da Batida Perfeita” e encontrou na tradição um terreno fértil para inovação
Se há um músico brasileiro cheio de pretensões artísticas – e com a habilidade incrível de realizar todas elas -, esse cara é Marcelo D2. Por isso, não pareceu estranho quando em 2003 ele decidiu que iria encontrar a “batida perfeita”, ou chegar o mais perto dela possível.
Aos trinta e poucos anos de idade, o rapper carioca já tinha provado que transitava facilmente entre o Hip-hop, o Rock e o Reggae presentes nos álbuns do Planet Hemp e em seu primeiro disco solo, Eu Tiro É Onda (1998).
Mas faltava um elemento nesse caldeirão musical de Marcelo Gomes Peixoto, e então ele decidiu mergulhar de cabeça no Samba, estilo que sempre o inspirou pelas quadras do Rio de Janeiro, e homenagear mestres como Cartola, Bezerra e João Nogueira.
Aproveite que À Procura da Batida Perfeita (finalmente) chegou aos streamings e vem comigo numa espécie de faixa a faixa desse álbum que mudou a cara da música Pop no Brasil, em que vamos tentar entender pelas letras de Marcelo D2 o que é a “perfeição” para ele.
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“Não vai tocar em lugar nenhum”, pensou Marcelo D2
Antes de entrarmos nas 11 faixas que compõem os 33 minutos do álbum, vale destacar que essa mistura de um estilo tão tradicional do Brasil com o Hip-hop não agradou a todos.
Lançado em 15 de abril de 2003, À Procura da Batida Perfeita enfrentou resistência inicial nas rádios, mas o disco ganhou fôlego graças ao Acústico MTV de 2004, em que D2 fez versões memoráveis para “Vai Vendo”, “Qual É?” e outras, e ainda contou com as participações de João Donato e will.i.am, do Black Eyed Peas.
O álbum acabou sendo lançado nos Estados Unidos, Europa e Ásia e rendeu uma turnê internacional em locais tradicionais como Montreux, Reading e Cité de la Musique. Além de prêmios na MTV e Multishow, o rapper ainda venceu o título de melhor letrista popular de 2004 pela Academia Brasileira de Letras.
Mas o sucesso veio como uma surpresa para Marcelo D2. Em participação recente no Podcast TMDQA!, ele lembrou que, antes de lançar o disco, acreditava que o som não iria se encaixar em nenhum veículo:
“Quando eu vim de Los Angeles com ‘À Procura da Batida Perfeita’, na época a gente ‘queimava’ um CD-R, e aí eu vim no avião ouvindo aquele disco no discman. Na época a música brasileira era pautada pelas rádios Pop Rock e pelas rádios de Pagode, e eu fiquei pensando, ‘Cacete cara, isso não vai tocar nem na rádio Pop Rock porque é muito Samba, nem na rádio Pagode porque é muito Rap’. E acabou que tocou em tudo quanto é lugar”.
Faixa a faixa: À Procura da Batida Perfeita
Agora sim, falando das músicas, é importante destacar o que D2 sempre ressaltou: a essência do álbum não está na “batida perfeita” em si, mas na busca incessante por ela. O disco, portanto, se tornou uma verdadeira jornada musical pro artista e pro ouvinte.
Essa viagem começa com a faixa-título “À Procura da Batida Perfeita”, em que o rapper deixa claro de qual estilo ele está falando com a introdução: “Eu vou no Samba / É lá que eu vou à procura da batida perfeita”. Depois, ele exalta “O MC que é partideiro” e “O bumbo que vira scratch”.
Na sequência chega a pesada “Vai Vendo“, em que D2 rebate as críticas de quem dizia que “não pode” misturar o Samba com outros estilos com a icônica ponte: “No samba de raiz, onde eu me inspiro e posso buscar minha rima e até mesmo meu laiá laiá, não tem parada que não pode“.
Vários gigantes do Samba são sampleados ou citados nas músicas. “A Maldição do Samba”, por exemplo, cita uma canção de João Nogueira, enquanto “CB (Sangue Bom)”, a música que tem will.i.am, faz uma genial menção à música “Já Nasci Com Cabeça Feita”, de Bezerra da Silva.
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“Os verdadeiros arquitetos da música brasileira”
A faixa “Re-batucada” começa com um trecho de “Do Jeito que o Rei Mandou” de Nogueira e termina com D2 citando outros artistas que considera serem “os verdadeiros arquitetos da música brasileira”: Tom Jobim, Tim Maia, Jovelina Pérola Negra, Dona Neuma, Chico Science e mais.
No meio do caminho ainda tem ótimas músicas como “Loadeando”, divertida parceria com seu filho Stephan (hoje conhecido como Sain), que na época tinha só 12 anos, e “Profissão MC”, em que Marcelo D2 descreve lindamente a arte da rima e convida todo mundo pra “jogar as mãos para o ar”.
Mas ele ainda guardava o maior hit do disco pro final. “Qual É?” encerra o álbum como uma síntese da jornada à procura da batida perfeita com os versos: “O que você precisa pra evoluir? / Me diz o que você precisa pra sair daí? / O samba é o som, o Brasil é o lugar / O incomodado que se mude, eu tô aqui pra incomodar”.
Ouça À Procura da Batida Perfeita, de Marcelo D2
À Procura da Batida Perfeita não apenas consolidou Marcelo D2 como uma figura fundamental na música brasileira, mas também mostrou que é possível criar um disco de Rap novo e desafiador sem esquecer as raízes.
Ao colocar Samba, Hip-hop e Punk lado a lado, D2 contribuiu para o legado de cada um desses gêneros e ainda abriu caminho para uma geração de músicos que não vêem fronteiras tão limitantes na MPB, e que enxergam na tradição um terreno fértil para inovação.
Ouça abaixo o disco completo!
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