Em “GNX”, Kendrick Lamar canaliza a raiva e prova ser imbatível

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Kendrick Lamar
Foto: Divulgação

Após o impacto reflexivo e terapêutico de Mr. Morale & The Big Steppers, o rapper Kendrick Lamar retorna em GNX com um projeto que marca um contraste explosivo.

Em seu sexto álbum de estúdio, lançado de surpresa no último dia 22, ele renuncia à introspecção ponderada de seu trabalho anterior e adota uma abordagem visceral e destemida, transformando indignação em arte e reafirmando seu domínio no hip-hop contemporâneo.

O título faz uma referência ao Buick Grand National Experimental de 1987, carro da General Motors que foi capaz de superar uma Ferrari em corridas de curta distância – uma possível metáfora entre o atropelo dele na disputa contra Drake.

O título também alinha-se ao momento de renovação criativa de Kendrick. Se o álbum anterior explorou a morte do ego, GNX traz a sua versão renascida como rapper e vencedor.

GNX é um álbum enraizado na Costa Oeste, tanto musical quanto culturalmente. Porém, o disco não apenas encapsula o orgulho regional, como também desafia o status quo do rap mainstream, tornando-se um marco na discografia do artista e na cena musical de 2024.

A fúria de Kendrick Lamar

Desde a abertura com “wacced out murals”, Kendrick estabelece o tom do álbum: sombrio, direto e carregado de ressentimento. A faixa aborda questões pessoais e profissionais, incluindo sua rixa pública com Drake e as decepções com figuras consagradas do rap como Snoop Dogg e Lil Wayne. “Antes de selar uma trégua, eu os levo ao inferno comigo”, dispara, ecoando a intensidade de sua rivalidade e sua busca por autenticidade.

Essa energia combativa permeia faixas como “tv off”, onde Kendrick exibe lirismo afiado e humor ácido. Produzida por Mustard, a música já viralizou pelo refrão cativante e o icônico grito de “MUSTARRRRRD!”. É uma declaração de confiança e poder, que transcendeu o álbum e já se tornou um fenômeno cultural.

faixas como “squabble up” mostram K-Dot explorando o g-funk característico da Costa Oeste, que carrega um ritmo contagiante. Apesar da dificuldade de superar, no mesmo ano, um super hit próprio, como foi “Not Like Us”, o rapper de Compton mostra que também sabe ser um rapper viral quando quer ser.

Celebrando e reinventando a Costa Oeste

Musicalmente, GNX é um mosaico que une as principais características de Los Angeles. O g-funk, elemento-chave do rap da Costa Oeste, pulsa em faixas como “squabble up” e “dodger blue”, enquanto “hey now” incorpora influências do hyphy – um movimento criando nos anos 90, em Oakland, que desafiava o rap comercial.

Kendrick também homenageia o legado de Tupac em “reincarnated”, uma reinvenção da clássica “Made N*az”, onde a produção mescla nostalgia com uma camada sentimental que ajuda a construir uma história de redenção e pecado. Na música – a minha preferida do álbum -, ele narra as contradições do sucesso e da marginalização, para falar das perspectivas de Billie Holiday, John Lee Hooker e Lúcifer.

O álbum também destaca talentos emergentes da cena de Los Angeles, como Hitta J3, YoungThreat e Peysoh, que compartilham o microfone na faixa-título. Em vez de centralizar sua voz, Kendrick opta por dividir os holofotes, reforçando seu papel como mentor e curador cultural da região.

Do ódio ao amor

Apesar de sua agressividade, GNX também encontra espaço para introspecção e vulnerabilidade. “heart, pt. 6” é uma faixa carregada de emoção, onde Kendrick revisita suas origens e oferece conselhos sobre resolução de conflitos, sugerindo maturidade e evolução pessoal.

Em “man at the garden”, ele aborda os desafios de ser um ícone cultural, ecoando a vulnerabilidade que permeava Mr. Morale & The Big Steppers, mas com um tom mais confiante.

A faixa final, “gloria”, resume essa jornada. Kendrick imagina sua musa como uma amante tóxica e apaixonada, simbolizando o amor pela arte. Ele confronta suas contradições pessoais, sua ambição e a luta para equilibrar autenticidade e massificação, encerrando o álbum com uma nota de reflexão e evolução.

Um novo legado

GNX é mais do que um álbum; é uma declaração de propósito. Kendrick Lamar usa sua voz para desafiar narrativas, afirmar sua identidade e redefinir o que o rap pode ser. Ele equilibra lirismo técnico e experimentação sonora, criando um projeto que é tanto um tributo às suas raízes quanto uma visão audaciosa do futuro.

Ao transformar indignação em arte e celebração em uma experiência comunitária, GNX é um testemunho de sua habilidade de equilibrar introspecção e universalidade. Aqui, Kendrick Lamar reafirma sua posição como um dos artistas mais importantes de sua geração.

O álbum não é apenas um dos melhores discos de rap deste ano, mas também um testamento do que a música pode alcançar quando a raiva, o orgulho e a paixão são canalizados em arte.

Este é Kendrick Lamar no auge de seus poderes – imbatível, focado e inegavelmente grandioso.

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